A educação escolar brasileira, a partir da legislação vigente, configura-se como direito de todos os cidadãos, fundamentado no paradigma da inclusão e na equidade de oportunidades de acesso, permanência e sucesso escolares. Este discurso legal apresenta-se com o objetivo de romper com uma longa trajetória de exclusão das pessoas consideradas diferentes no ambiente escolar.
Durante longa data, a escola pública foi palco de formação de crianças e jovens das classes elitizadas considerados normais, assegurando os saberes nesse patamar social e mantendo o status quo estabelecido.
Recentemente, com a efetivação do estado de direitos, da democracia como forma de governança e da cidadania como meio de reconhecimento das diferenças e de participação social, modificaram-se as determinações legais, as quais promoveram a democratização da educação e a universalização do acesso ao ensino público a todos com idade escolar obrigatória. Tal contexto, motivado pelas transformações sociais e políticas globalizadas e liquefeitas, iniciadas na década de 1990, que ensejaram a substituição do modelo de sociedade disciplinar para as de controle, implicou em processos de regulação e distinção de alunos, provenientes da sociedade biopolítica.
Como forma governamental e de regulação, o Estado instituiu a normatização como critério de julgamento e princípio de regência das práticas sociais e pedagógicas, possibilitando por decorrência o discernimento do que se diferencia da norma e a divisão inclusão/exclusão, o que corrobora a existência de micro poderes no cotidiano escolar.
Compreende-se, então, porque a educação em nosso país se apresenta como um modelo escolar dualista: escola para a elite categorizada como normal, com qualidade socialmente reconhecida; escola para os demais, com qualidade naturalmente questionável. A evasão e o fracasso escolares justificam-se pela segregação natural que reproduz a sociedade capitalista, da qual muitos são excluídos.
Em dissonância à legislação vigente, a educação institucionalizada não se estruturou a ponto de garantir a permanência de todo aluno na escola com sucesso, limitando-se a promover continuidade aos níveis mais elevados de ensino, ratificando a regulação da vida das populações como recurso para o capitalismo emergente. A educação inclusiva não se efetivou como política pública de acesso universal à educação, permanecendo no decorrer dos tempos como concepção de política especial para tratar da inclusão escolar de pessoas com deficiência.
O grande desafio da educação escolar na perspectiva da educação inclusiva é criar possibilidades de rompimento com os monopólios de interpretação da modelo inclusão/exclusão, de forma a produzir subjetividades potencializadas. Estudos foucaultianos afirmam ser as práticas pedagógicas produtoras de pessoas, na medida em que, pela mediação da relação, modificam a experiência que os indivíduos têm de si mesmos, constituindo-os. Assim, vislumbram-se outras atitudes dos educadores quanto à experimentação, ao acolhimento, à aceitação, ao desenvolvimento de ações educativas considerando a diferença dos alunos em suas experiências, suas necessidades, crenças, valores e saberes, afirmando a singularidade de cada um, a fim de que possam desenvolver sua inserção social como sujeito histórico ativo, construtor de sua história e co-construtor de histórias coletivas. Essa prática pedagógica, talvez, possa ser uma linha de fuga (Gilles Deleuze) para a conquista da educação inclusiva, resistindo à subjetivação do sujeito e acreditando num devir descolonizado.
A educação inclusiva requer aceitação das diferenças do outro, o que demanda desprendimento e compromisso no combate à alteridade silenciada, visto que vivemos numa sociedade cujas características marcantes são o sucesso, a eficiência, a eficácia, que movem cada pessoa para o campo da individualidade e da competitividade.
Faz-se necessário, por meio de uma pretensa revolução cultural do dizível e do visível (discurso e prática pedagógica), a inclusão escolar de todos e cada um, para que cada sujeito se constitua conscientemente enquanto sujeito de direitos e faça valer a legislação vigente. Somente uma educação escolar comprometida com todos, com práticas pedagógicas descolonizadas, voltadas para as experiências de cada um, trará condições de maior participação sociopolítica, promovendo a libertação da opressão, a igualdade de oportunidades e a cidadania a cada sujeito social, independentemente de quem seja cada um. Esse processo revelará, concretamente, a importância do sentido e da significância com a qual visamos atribuir à educação escolar na perspectiva da educação inclusiva para um mundo melhor.
Prof.ª Vânia Camargo